Fé Cristã e Política: uma pequena entrevista com David T. Koyzis

Guilherme Piton
6 min readJul 13, 2018

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Aqui vai o resultado de alguns dias de espera e conversa produtiva. Quase não acreditei que o Dr. David tinha conta no Facebook. Adicionei na “cara de pau” e nos tornamos amigos na rede social. Então entrei em contato, conversei e fiz várias perguntas. Todas foram respondidas, o Dr. David foi extremamente atencioso e compreensivo com minha curiosidade e meu péssimo inglês, mas tudo ocorreu bem, e o que você leitor verá agora é o resultado disso.

Agradeço ao meu amigo Douglas Araújo, do canal Teologueiros, por traduzir a entrevista, apoiar e acreditar em mim. Ele sabe que eu o amo muito.

Agradeço também à minha irmã Mirian por todo o incentivo. Amo vocês.

Dr. David T. Koyzis

David T. Koyzis é um cientista político cristão. Nascido próximo a Chicago (EUA), reside atualmente no Canadá. Doutor em Filosofia pela Universidade de Notre Dame, foi professor de Ciência Política da Redeemer University College, ambas no Canadá. Atualmente é pesquisador em Política no St. George’s Centre for Biblical and Public Theology, também no Canadá. É autor de dois livros: Authority, Office and the Image of God (2014) e Political Visions and Illusions (2003), que foi traduzido para o português e publicado em 2014, pela Edições Vida Nova. Atualmente está trabalhando na segunda edição de Political Visions and Illusions.

Nessa entrevista, perguntei sobre o cristianismo e a política, a relação da igreja com as ideologias políticas, a missão da igreja cristã e o seu livro Visões e ilusões políticas (Edições Vida Nova, 2014).

GUILHERME: Primeiramente, uma breve apresentação. Quem é David T. Koyzis e como se envolveu com fé cristã, filosofia e política?

DAVID: Nasci num local próximo a Chicago e cresci em uma família cristã que era politicamente consciente. Uma das minhas lembranças mais antigas é do assassinato do Presidente John Kennedy e do impacto gigantesco que teve na política americana. Como um jovem, eu era fascinado pelo escândalo de Watergate, que derrubou Richard Nixon. Ao mesmo tempo, meus parentes por parte de pai no Chipre se tornaram refugiados após a Turquia invadir a ilha, em 1974. Tudo isso me influenciou a dar maior ênfase aos meus estudos em política. Quando eu tinha cerca de 19 anos, comecei a ler Abraham Kuyper e seus herdeiros espirituais e intelectuais no cristianismo e na política, e eu fiquei profundamente impressionado com a convicção deles de que nossa fé tem implicações na vida pública. Essa convicção incentivou meu trabalho ao longo das últimas décadas, incluindo estudos de pós-graduação e ensino universitário.

Como a tese do seu livro, Visões e ilusões políticas, surgiu?

Eu tive a ideia para o livro durante o primeiro ano em que lecionei um curso introdutório sobre Ideologias Políticas. Eu não consegui encontrar um livro que abordava aquilo que eu achava que seria importante em um curso desses, então eu resolvi escrever meu próprio livro. Foi publicado originalmente em 2003, e deve sair numa segunda edição no começo do ano que vem.

Minha tese é que cada uma das ideologias políticas contemporâneas, incluindo liberalismo, conservadorismo, nacionalismo, democracia e socialismo estão certas sobre alguma coisa, mas elas pegam essa coisa e fazem dela um ídolo. No caso do liberalismo, essa coisa é a liberdade do indivíduo, que é um bem genuíno. Mas com o desenvolvimento do liberalismo pelos séculos, a liberdade do indivíduo se sobrepôs a outras considerações legítimas, incluindo nossas obrigações para com as comunidades que nos formaram. O liberalismo tentou transformar todas essas comunidades em meras associações voluntárias, mascarando então as diferenças entre casamento, família, Estado e a instituição da igreja. Nenhuma sociedade pode sobreviver a longo prazo onde tais obrigações são reduzidas a um contrato voluntário.

Como você vê o cristianismo no espectro político, incluindo a relação dos cristãos com o estado, militância, e atividades no ambiente social? Cristãos podem se posicionar em algum espectro? Há um limite para isso?

Se você está falando do espectro esquerda × direita, então eu não acredito que a fé cristã possa ser encontrada ao longo desse contínuo bidimensional. Como cristãos, nossa convicção mais básica é que nosso mundo pertence a Deus e não a nós. Somos meros mordomos do cosmos, responsáveis perante o Deus que nos criou e nos redimiu. Isso inclui a vida política. Devemos reconhecer a complexidade irredutível que Deus construiu em sua criação, incluindo a sociedade humana. Se lutarmos contra os direitos individuais, correremos o risco de negligenciar a integridade daquelas comunidades que não podem ser facilmente reduzidas a meros produtos de uma conjunção de vontades individuais. Se nós perseguirmos a grandeza da nossa nação, correremos o risco de abraçar uma política totalitária que ignora os limites normativos do Estado e a integridade das instituições não estatais.

No Brasil, tem existido uma polarização entre direita e esquerda e uma descoberta de conservadorismo político/filosófico em parte dos jovens. Vemos cristãos se posicionando em ambos os lados e lutando entre si sobre o papel da igreja na política, no apoio a candidatos e nas diretrizes que eles defendem. Como podemos entender essa questão?

Para começar, deixe-me mencionar que eu não acredito que a igreja como instituição deveria estar endossando partidos políticos e/ou candidatos. Isso extrapola seu chamado divino, que é pregar o Evangelho fielmente, administrar os sacramentos e manter a disciplina de seus membros. Ninguém deve atrelar a igreja institucional a uma agenda política falível.

Por outro lado, a igreja como corpo de Cristo deve de fato ser politicamente ativa, assim como deve participar de qualquer outra área da vida. Ainda assim, nós devemos evitar que a causa de Jesus Cristo seja associada a uma ideologia secular; essa foi uma das principais motivações para que eu escrevesse meu livro.

A longo prazo, seria bom se cristãos pudessem cooperar no estabelecimento de movimentos políticos ou partidos para buscar políticas que fizessem justiça aos indivíduos e à variedade de comunidades às quais esses indivíduos pertencem. A curto prazo, talvez sejamos forçados a apoiar aqueles movimentos e partidos que acreditamos que farão o menor dano. É assim que nós tendemos a votar em democracias de língua inglesa como no Canadá, onde moro atualmente. Não é uma situação ideal, mas a vida cristã muitas vezes implica a tentativa de fazer as coisas certas quando somos confrontados com escolhas menos felizes.

Como a política pode auxiliar na missão da igreja?

Bem, acho que não é essa a pergunta que deveria ser feita. Nós não deveríamos confiar no Estado para facilitar o Reino de Deus. Talvez uma pergunta melhor seja: qual é o papel da política na missão da igreja? Para essa pergunta eu responderia que se a missão da igreja, o corpo de Cristo, é estendida a toda a criação, então naturalmente inclui a vida política.

Como mencionado anteriormente, muitos jovens têm descoberto o conservadorismo político e filosófico aqui no Brasil. Especialmente em reação à visão política de esquerda que muitos estudiosos propagam desde a fase de redemocratização, após o período militar. No mesmo ritmo, esses jovens também têm abraçado a fé reformada, lendo Abraham Kuyper, Francis Schaeffer e David Koyzis. Qual é seu conselho para esses jovens?

Em parte eu entendendo a atração do conservadorismo, que geralmente não tem ambições como recriar a sociedade de acordo com uma ideia única e impor essa ideia a todos. O conservadorismo traz um grande conselho: se a mudança está por vir, deve vir gradualmente e cuidadosamente. Nós devemos rejeitar visões ideológicas que prometem muito e cumprem pouco. Nós devemos respeitar a História e nos abster de fingir que podemos de alguma forma romper com ela.

Por outro lado, os conservadoristas muitas vezes não aceitam um movimento de progresso. Conservadoristas tendem a se satisfazer com o status quo, mantendo as coisas ao máximo como estão. Mas se os seguidores de outras ideologias estão se movendo em direção ao abismo, os conservadoristas só estão adiando o inevitável. Como cristãos, precisamos de uma visão positiva da justiça com a qual andamos para o futuro. Jovens devem se concentrar em articular e implementar essas visões, enquanto prestam atenção aos escritos e experiências dos mais velhos.

Quais são suas recomendações de leitura para os cristãos que querem entender a relação entre fé e política?

Eu não sei se tudo está disponível na sua língua. Claro, eu recomendaria meu próprio livro, Visões e ilusões políticas. Eu torço para que a Editora Vida Nova disponibilize a segunda edição traduzida para o português. Mas existem muitos outros. Eu pessoalmente me beneficiei dos escritos de James W. Skillen, Bob Goudzwaard, Jonathan Chaplin e muitos outros.

E por último, quando você virá ao Brasil?

Eu gostei muito da minha viagem ao seu país dois anos atrás, e estou ansioso para retornar em breve. Estou tremendamente animado com o que o Espírito Santo está fazendo no Brasil, e adoraria fazer parte disso de alguma forma. Aguardo ansiosamente o próximo convite.

O livro pode ser comprado por meio do link abaixo:

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